Diocese de Caruaru tem conhecimento da paternidade, mas não tornou o fato público e não se pronunciou à reportagem. O caso foi denunciado ao Vaticano
Exclusivo
Um caso que confronta a natural conjuntura familiar com as regras do celibato católico está sendo trazido à tona nesta reportagem. O Blog do Ney Lima teve acesso a documentos que comprovam que o Padre Manoel Francisco Xavier, o conhecido Padre Bianchi, falecido em 12 de maio de 2021, em decorrência de complicações causadas pela Covid-19, tinha um filho e mantinha contato frequente com a família.
Emanuel Gaspar Araujo da Silva Xavier, hoje com 23 anos, é fruto de um relacionamento do padre com Catarina Bezerra de Araújo, que atuou como secretária na Paróquia de Santa Cruz do Capibaribe, na década de 90.
Residente na cidade de Campina Grande – PB, o rapaz apresentou uma série de acusações em uma ação judicial contra a Diocese de Caruaru e denunciou os fatos ao Vaticano.
O filho do Padre Bianchi está sendo amparado pelo Projeto Cicatrizes da Fé, que atua ao lado de pessoas que precisaram permanecer caladas diante de casos de envolvimento sexual no âmbito eclesial.
Mais de duas décadas marcadas pelo silêncio
A existência de Emanuel Xavier, enquanto filho do Padre Bianchi, foi mantida em segredo por mais de duas décadas. O jovem vive com sua mãe e avós idosos e, durante todos esses anos, a família obtinha ajuda financeira do padre.
Em um dos documentos que o Blog do Ney Lima teve acesso, Emanuel relata: “Meu Pai nunca nos deixou faltar dignidade. Com o seu trabalho e esforço, conseguiu me dar a melhor educação e não deixou faltar o alimento. Além de Padre, ele foi bancário, balconista, radialista. Foi um homem de extremo caráter”, afirma Emanuel.
Em um áudio de WhatsApp enviado ao editor deste Blog, Padre Bianchi se reporta a Emanuel como “meu filho” e desabafa sobre dificuldades financeiras, se referindo a uma suposta perseguição que vinha sofrendo, especialmente após a sua transferência da Paróquia da cidade de Bezerros. O áudio foi respostado ao filho no dia dos pais, em agosto de 2020.
CONFIRA:
Filho visitou Padre Bianchi no hospital, se apresentando como advogado do padre
Durante a internação do Padre Bianchi, no Hospital da Unimed, em Caruaru, Emanuel Xavier teve acesso ao quarto e conversou com o pai. Ele relata que se apresentou na unidade como sendo advogado do padre (Emanuel Xavier é, de fato, advogado).
Ele conta que só ficou sabendo da morte do seu genitor através da internet e diz que a Diocese tinha conhecimento da existência dele, enquanto filho, mas tentava afastá-lo do pai.
Alegando dificuldades financeiras, família solicitou amparo à Diocese de Caruaru, mas teve o pedido negado
Uma semana após a morte do Padre Bianchi Xavier, Emanuel foi até a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Caruaru, para ter acesso ao quarto do pai. Ele narra diversos entraves e constrangimentos.
Emanuel disse que tentou uma audiência com o Bispo Dom José Ruy Gonçalves Lopes, mas que apenas foi recebido no mês de junho de 2021 por um advogado da Diocese e um padre e que nenhuma decisão foi tomada.
Após outras tentativas, através de e-mails, ele foi comunicado de que não teria o amparo da Diocese de Caruaru para os pleitos apresentados.
Uma apuração feita pelo Blog do Ney Lima identificou que a família alega dificuldades financeiras, já que o Padre Bianchi custeava parte das despensas da casa.
“Meu Pai Padre era o sustentáculo da nossa casa, em todos os sentidos, inclusive financeiramente. Nós moramos em uma casa financiada, temos um carro também financiado, e estamos endividados devido a diversos empréstimos feitos pelo meu Pai em nome da minha Mãe, pois ele quem mantinha a casa paroquial (alimentos, produtos de limpeza, produtos de higiene pessoal, manutenção da casa paroquial), o carro da paróquia e mantinha também a paróquia em alguns aspectos (hóstias, vinho, flores, entre outros), assim como medicamentos para meu Pai. Nos 37 anos de vida sacerdotal do meu Pai ele nunca conseguiu conviver sem a família e ao mesmo tempo sem o seu Ministério de Sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana”, diz um trecho do e-mail enviado ao Bispo Dom José, ao qual o Blog do Ney Lima teve acesso.
Relato sobre possível histórico de retaliação e perseguição de bispos contra o Padre Bianchi: “um sacerdote que infelizmente viu-se preso numa ardilosa teia, amaranhada por egoísmo e retaliações”, diz trecho da denúncia.
Na ação apresentada à justiça, o advogado do projeto Cicatrizes da Fé aponta que, nos últimos anos, Padre Bianchi estaria sofrendo fortes represálias capitaneadas, segundo a denúncia, pelos bispos Dom Dino e, posteriormente, Dom José Ruy. O teor das denúncias está sendo apurado pelo Blog.
Alegando desamparo por parte da Diocese, Emanuel obteve o apoio da Coping Internacional, associação de defesa dos direitos de crianças por padres católicos em todo o mundo, que apresentou denúncia ao Vaticano.
“O meu silêncio durante toda a minha vida e o respeito à Diocese de Caruaru, à Igreja Católica Apostólica Romana e à Vocação Sacerdotal do meu Pai jamais poderá ser uma justificativa para a minha morte, padecimento, abandono, preconceito, desdém, e ódio a minha figura e à da minha Mãe”, afirma Emanuel Xavier em carta ao Vaticano.
O Blog do Ney Lima entrou em contato com a Diocese de Caruaru que, em resposta, disse que não se pronuncia sobre temas do setor jurídico da instituição.