O tradicional time de Santa Cruz do Capibaribe desistiu da Série A2 devido as dívidas
Enferrujada pelo abandono, quebrada pelas dívidas. Assim se encontra a Máquina de Costura, de Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste, que já deu “pano pra manga” no futebol pernambucano, quase sendo o primeiro time a levar a taça de um turno do Estadual para o interior. Hoje em dia está envolta numa grossa colcha de problemas financeiros, que fizeram com que desistisse até de participar da Série A2 deste ano, diferentemente de Sete de Setembro, 1º de Maio e Porto, como a reportagem do JC mostrou na edição de ontem. O grito do Ypiranga, que já foi de liberdade e sucesso, hoje não passa de um brado de socorro.
Quem adentra hoje nas dependências do estádio Otávio Limeira Alves toma um susto. A impressão que se tem é a de estar dentro de um “clube fantasma”. Sem brilho. Sem vida. De fato, não há nenhum dos dois no local. Arquibancadas vazias e deterioradas. Vestiários sujos e com entulhos. Tribunas de honra sem pompa alguma, entregues ao mofo e poeira. No centro, só se diz que ali havia um campo pela presença das traves nos lados, porque no meio nem gramado existe mais. Apenas terra e poucos resquícios de mato que servem de tapete para cachorros.
Um abandono que contrasta com um passado recente bem diferente do presente. A Sociedade Esportiva Ypiranga Futebol Clube foi fundada em 1938 e se profissionalizou em 1993, já com o título da primeira edição da Copa Pernambuco e da Copa dos Clubes Profissionais do Interior no ano seguinte. Um início costurado com taças que mostrava o quanto a tal máquina era promissora.
O time se manteve na elite do futebol estadual de 1994 a 1997, quando foi rebaixado. Lutou na Segundona até a edição de 2004, em que foi campeão e conquistou o acesso. No retorno à divisão principal fez não só grande jogos como também sombra para o até então temido Trio de Ferro da Capital. O auge foi em 2006, quando teve a chance de entrar para a história como a primeira equipe do interior a ser capaz de fazer a taça de campeão sair da capital recifense (veja abaixo).
A última participação da equipe santacruzense na Série A1 foi melancólica, terminando na lanterna no Hexagonal da Permanência, sendo rebaixada. Pior: na edição da A2 do ano passado não participou e já anunciou que também vai ficar de fora este ano. Motivo? As dívidas do clube.
O presidente David Helry, que havia solicitado o afastamento no começo do ano e retomou o cargo mês passado, explicou que o débito atual gira em torno de quase R$ 600 mil e diz respeito a questões trabalhistas e tributárias. Por conta disso, a sede administrativa já foi a leilão duas vezes nos últimos dias 15 e 22, mas não houve compradores. E amanhã deve ir novamente. “Diante da grave situação financeira do time, não tínhamos a mínima condição de disputar a Série A2. Nós fizemos uma reunião, ouvimos todos, e decidimos que o mais importante agora antes de qualquer torneio era ajeitar a casa”, afirmou David.
De acordo com ele, estão sendo feitas várias ações para tentar buscar recursos para o clube. “Escolinhas de futebol, campanha de sócios, doações do comércio, eventos na sede, aluguel da quadra e piscinas, estamos fazendo de tudo para conseguir verbas e saldar parte das dívidas”, disse David.
Caminhando cabisbaixo pelo que já foi palco de glórias do time, o vice-presidente Eduardo Pereira resumiu o sentimento que hoje impera no local. “Não tem como não ficar triste. Antes de ser diretores, nós fomos torcedores e vibramos com tudo o que vimos aqui. É de cortar o coração. Mas estamos aqui lutando para tentar levantar o Ypiranga de novo”, disse Eduardo, com confiança no olhar.
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A “tragédia de Timbaúba”
Cinco de fevereiro de 2006. Para você, a data pode não significar nada, mas para quem mora em Santa Cruz do Capibaribe ou torce para o Ypiranga certamente o dia que ficou conhecido como a “Tragédia de Timbaúba” é difícil de ser esquecido. Uma chance de entrar para a história, que foi jogada literalmente para o alto em uma cobrança de pênalti do Júnior Amorim.
Naquele ano, o Pernambucano era disputado em dois turnos e os campeões de cada um se enfrentavam em uma final. Na ocasião, a Máquina de Costura fez uma ótima campanha e chegou até a última rodada do 1º turno dependendo apenas de si para ser campeão e garantir vaga na decisão do certame. A expectativa de um feito histórico fez com que o JC fosse até o município.
O repórter que assina esta reportagem, na época ainda estagiário, foi o incumbido da missão. Para simbolizar o que seria o “Grito do Ypiranga” de emancipação dos times do interior sugeriu que o zagueiro e capitão do time, Lima, subisse em um cavalo e repetisse o gesto de Dom Pedro no gramado do Limeirão. Um cena inusitada que o ex-jogador e hoje técnico do Porto recorda bem. “Eu adoro cavalo, mas quando eu montei fiquei um pouco com medo dele disparar (risos)”, disse.
Lá foi o Ypiranga enfrentar o Estudantes, em Timbaúba, sabendo que uma vitória garantiria o título do turno (inédito para o interior). Aos 15 do segundo tempo, pênalti para a Máquina de Costura. O experiente atacante Júnior Amorim foi para a cobrança e chutou forte para cima. O jogo acabou em 0x0 e o Santa Cruz, que venceu o Náutico no Arruda, ultrapassou o Ypiranga e foi o campeão do turno – na decisão, perdeu para o Sport. “O clima nos vestiários foi de desolação”, lembrou Lima.