O PARADOXO DA REFORMA POLÍTICA
No bojo da revisão estava previsto, inclusive, um chamamento aos eleitores para decidirem, em plebiscito, quais seriam a forma (república ou monarquia) e o regime de governo (presidencialismo ou parlamentarismo) que deveriam vigorar no Brasil.
Como imaginar, dizia-se à época, uma mudança radical no arcabouço político-institucional do país sem uma grande alteração nas regras de voto, nas legislações eleitorais, nas organizações partidárias, etc.? Tudo isso pressupunha uma profunda “reforma política”. Daí a origem do termo.
Após o plebiscito os debates sobre “reforma política” continuaram na ordem do dia e foram pauta das últimas seis legislaturas, começando com a de 1994-1997.
As temáticas abordadas no Congresso sob esse rótulo de reforma política -modificações na legislação eleitoral, na legislação partidária e no sistema de voto – configurariam mais propriamente uma reforma eleitoral. Entretanto, os meios de comunicação e a informalidade se encarregaram de dar aos dois conceitos o mesmo significado.
Um traço distintivo comum das mencionadas legislaturas, todavia, foi o de que grande parte do debate era despendida na tentativa de substituir o sistema proporcional de lista aberta vigente no país, identificado equivocadamente como o grande causador das crises que assolam a nação.
Registre-se, contudo, que tal debate se deu sem que tenha havido discussão mais aprofundada sobre o mecanismo em uso, cuja versão atual é praticamente a de 1945.
Como nas sucessivas legislaturas os modelos tradicionais (proporcional de lista fechada e os majoritário-distritais), candidatos a substituir o de lista aberta, não angariavam adeptos suficientes para aprovação, os parlamentares começaram a buscar alternativas em esdrúxulas propostas de variantes desses sistemas.
Nesse laboratório de experimentos apareceu de tudo: desde as mutações no proporcional (misto, misto em dois turnos, misto flexível, lista fechada, esta nas versões bloqueada, flexível e livre), passando por aquelas no majoritário-distrital (puro, misto e proporcional) e desembocando no majoritário-distritão (convencional, misto e proporcional).
Não é de estranhar que nenhuma das extravagantes sugestões encontrou respaldo suficiente no Congresso e as poucas (versões originais) que chegaram a plenário foram derrotadas no voto.
Mas esse foco magnificado na substituição do modelo eleitoral resultou numa associação de todo espúria: reforma política, praticamente, passou a ser identificada com mudança de sistema eleitoral: se a legislatura terminasse sem conseguir trocar de sistema de voto, não teria havido reforma política.
Tudo isso não obstante as relevantes mudanças nas legislações eleitoral e partidária acontecidas desde a revisão constitucional de 1993, derivadas do próprio Congresso e mais recentemente do Judiciário.
Agora mesmo, neste ano de 2017, os parlamentares, além da instituição de cláusula de desempenho partidário, promoveram a mais importante modificação no sistema de voto proporcional desde os seus primórdios (claro que só se voltaram para aperfeiçoar o modelo em uso depois de fracassadas as tentativas de impor o famigerado distritão).
Trata-se do fim das coligações proporcionais (2020) e da abertura para que todos os partidos possam disputar sobras de voto (2018), mesmo que não tenham atingido o quociente eleitoral. Com essas duas correções, o modelo vigente fica depurado de 90% de suas deformações.
Ainda assim, a sensação geral é a de que não houve reforma política, ou a de que ela foi irrelevante, cosmética, pífia. Daí a frustração coletiva…
Também pudera, nem bem foram publicados os textos da reforma de 2017 e o presidente do Senado já anuncia que vai destravar na Casa, nesses próximos dias, a antiga proposta de modelo distrital misto para eventual implantação em 2020.
A história se repete, mas com requintes perversos de uma grande tragédia…
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*A expressão “reforma política” passou a ser empregada no país no âmbito das discussões da revisão constitucional de 1993 (Jairo Nicolau, Representantes de quem?, Zahar, 2017).
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