POLARIZAÇAO E TERCEIRA VIA
No livro “Ruptura”, Manuel Castells disserta sobre o turbilhão de múltiplas crises que assolam as populações de quase todo o mundo e realça a maior delas: a crise de legitimidade política, a saber, o sentimento majoritário do povo de que os atores do sistema político “não nos representam”, o que gera uma ruptura na relação entre governantes e governados.
No seu sentir, não se trata de uma questão de opções políticas, de esquerda ou direita, mas sim do colapso gradual da democracia liberal, enquanto modelo político de representação e governança.
Daí os filmes já assistidos urbi et orbi: as amplas mobilizações populares contra os sistemas político-partidários e o surgimento de lideranças políticas que contestam o stablishement, negam as formas partidárias existentes e alteram profundamente a ordem política nacional.
O autor afirma que, teoricamente, esse desajuste se corrige na democracia com pluralidade de opções e eleições periódicas para escolher entre essas opções.
Mas é aí que reside a devastadora tragédia de grande parte da população brasileira: ficar adstrita apenas a opção bipolarizada entre o bolsonarismo e o petismo ou, como diz F. Schuller, arriscada a enveredar diante de uma disputa de rejeições: o antipetismo contra o antibolsonarismo.
A característica saliente da polarização política é a incapacidade dos pólos encetarem qualquer tipo de diálogo concordante sobre quaisquer temas, ainda que de interesse comum. Ao contrário, os lados opostos interditam aproximações e vão além, descambam para a ofensa e outras formas de agressão e violência.
Os pólos se vêem distintos nos propósitos, percebem-se qualitativamente superiores, atribuem-se a detenção da verdade, e ao oponente apenas imputam juízos negativos. Alimentam-se de teorias conspiratórias, idéias fixas, generalizações superficiais e, portanto, não passíveis de refutação racional. Não há espaço para a argumentação, para o convencimento lógico, para a demonstração dos fatos.
O que impera é a pós-verdade, o apelo às emoções, às crenças pessoais, à desinformação, à distorção, à mentira. Nesse ambiente conflitivo não há como florescer o entendimento, a cooperação, a concertación em prol da superação de dificuldades e desenho de um futuro comum para o país.
E, como bem lembrou Moisés Naim, o que mais nocivo e destrutivo pode acontecer a um país é quando à polarização e à pós-verdade se junta o populismo. E é exatamente essa tempestade perfeita que assombra os brasileiros.
Tal situação, de exasperante, cansou. Um segmento expressivo da população busca fugir dessa insensatez, almejando outra via de representação, equilibrada, eqüidistante dos pólos, uma terceira via, que restabeleça a paz da convivência.
O chamado centro democrático, todavia, ainda não apresentou alternativa concreta à postulação governamental ou à sua antítese populista-ideológica, apesar da proximidade das eleições.
Mas a política tem seu tempo próprio e, sobretudo, não comporta vácuo. A alternativa irá aparecer. Sua viabilidade eleitoral vai depender “dela e de suas circunstâncias”, parafraseando Ortega y Gasset, e da aderência da sociedade às propostas que apresentar para o país. Politicamente, contudo, já terá sido vencedora, porque empunhará a bandeira da conciliação e o bastão da esperança.
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